sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Todo mundo é crítico - especialmente online

Encontrei um artigo excelente de um crítico canadense que gostaria de dividir com vocês. Ainda que amador no processo da construção da crítica, acho interessantíssima a argumentação levantada por Geoff Pevere.
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VENENO PURO JORRA POR E-MAIL
"Agora eu já superei, mas admito que houve um tempo em que parecia estranho que alguém pudesse realmente me odiar, ou desejar que eu contraísse uma doença fatal e morresse, porque eu escrevia críticas de cinema. Agora eu percebo como isso é lógico.Ou compreensível. Há oito anos, quando assumi este trabalho depois de anos escrevendo sobre vários assuntos relacionados a cinema para várias publicações, eu simplesmente não estava preparado para o volume de veneno puro que jorraria em minha direção a partir de pessoas que não gostavam do que eu tinha a dizer sobre um filme do qual gostavam.Como freelancer, você é um alvo móvel. Como membro de uma equipe, você é um alvo fácil. Tendo crescido no sul de Ontário, onde os sentimentos só podiam ser extravasados durante eventos esportivos ou em bares, eu pensava que as pessoas se comportavam racionalmente – como eu acreditava me comportar. Se, por exemplo, eu lesse uma crítica que não refletisse meus sentimentos, jamais me ocorreria entrar em contato com o autor e sugerir que ele ou ela era estúpido, incompetente ou sexualmente frustrado apenas porque não tinha conseguido enxergar o que eu vira no tal filme e que, portanto, ele ou ela deveria morrer. Eu daria de ombros, resmungaria um palavrão para mim mesmo e continuaria a tocar minha vida.Antes de qualquer coisa, analisemos por que as pessoas podem ter sentimentos tão fortes sobre os filmes. Porque elas têm e sempre tiveram, mesmo que só recentemente tenham passado a se sentir na obrigação de atacar como babuínos feridos qualquer um que diga algo que elas não aprovem.Você pode encher os jornais com páginas e páginas sobre atrocidades globais, injustiças e absurdos e esperar muito pouco protesto por parte de leitores indignados. Mas sugira que eles possam estar errados sobre seu amor por Star Wars e despertará a fúria dos deuses.A questão é que os filmes nos afetam primeira, principal e profundamente como experiências emocionais; é algo que gira em torno de cores, música, movimento e uma reação visceral a uma história bem contada. Tudo profundamente emocional e, como todas as experiências profundamente emocionais, você não pode evitar levar para o lado pessoal quando alguém lhe diz que aquelas experiências podem, de certa forma, ser artificiais. (Mesmo que não seja isto que o crítico está dizendo realmente – e mesmo que seja perfeitamente razoável, para não dizer necessário, que a crítica disseque o emocional para analisar como este funciona.)Muitos escritores, psicólogos e filósofos já associaram a experiência de amar um filme à própria experiência de se apaixonar. Assim, quando algum espertinho da mídia aparece para dizer que você foi enganado ao deixar que isto acontecesse, é como se dissesse que você está errado ao amar seu cachorro. Você vai ficar com raiva.Além disso, os filmes encorajam e celebram respostas extremamente emocionais: eles pedem que você comemore quando alguém suficientemente mau tem a cabeça estourada por alguém suficientemente bom; eles pedem que você entregue seu coração a pessoas absurdamente atraentes que receberam milhões de dólares para fingirem que se apaixonam umas pelas outras; eles pedem que você cobice corpos que nunca conhecerá nem terá; e eles te matam de susto com efeitos digitais de última geração. Eles te fazem sentir grandioso.A diferença está no jeito com que ficamos com raiva nos dias de hoje. Nunca foi tão fácil ficar com raiva e expressá-la, e nunca isto foi tão esperado de nossa parte. Eu já nem consigo mais escutar o rádio, já que todo mundo parece estar bravo com todo mundo durante o tempo todo (e eu simplesmente descobri que toda essa raiva me faz querer ficar deitado em um quarto silencioso), e eu tendo a ignorar a maior parte dos programas de televisão pela mesma razão: há muitas pessoas gritando com outras. Não se considera que algo valha a pena ser transmitido a não ser que tenha algum tipo de conflito, e não é considerado conflito a não ser que inclua pessoas chamando outras de idiotas ou coisas muito piores.(Em parte, eu atribuo a culpa por isto tudo à ascensão da Direita americana. Aqueles idiotas gordos, fedorentos e estúpidos.)Nós agora também temos a tecnologia perfeita para ventilar nosso rancor livre de qualquer razão: a Internet. Graças ao email, nunca foi tão fácil cuspir diretamente na cara de alguém de quem discordamos. E o melhor: alguém que não pode te ver e que nem sequer precisa saber seu nome. (Ter raiva nunca foi mais tentador – ou divertido! – do que quando você pode manifestá-la anonimamente.)Se antes você tinha que passar pelo demorado, mentalmente exigente e calmante processo de escrever e enviar uma carta, hoje você pode simplesmente desejar uma vida breve, dolorosa e repleta de doenças a alguém em questão de segundos. E ir preparar um sanduíche. Antigamente, isto era chamado de sociopatia.A outra grande benção da comunicação eletrônica é como esta nivelou – não, destruiu – o campo que antigamente era conhecido como “especialidade”. Hoje, qualquer um que saiba como abrir um site [ou blog] e apertar os botões de um teclado se transformou num especialista, e isto é perfeito para um fenômeno cultural popular tão visceral quanto o Cinema, que não exige conhecimento algum para ser assistido e aproveitado em um primeiro momento.Se você assistiu e gostou, quem se importa com o que qualquer outra pessoa tem a dizer? Quem precisa de críticos? Esta é a era da democratização digital completa, que também pode ser chamada de O Verdadeiro Planeta dos Macacos.Um esquisitão da idade da pedra praticamente extinto, eu venho de uma era na qual o conhecimento não ameaçava as reações de ninguém, apenas as enriqueciam. Você se voltava para os críticos, e não contra eles, porque eles poderiam ter experiências e conhecimentos que você não tinha.Então já não é mais um mistério, para mim, que as pessoas possam expressar sentimentos tão intensos de ódio puro porque leram uma crítica (uma crítica!) que revelou sentimentos diferentes dos seus próprios. Esta é uma época de discursos rudes e respostas brutas, uma suposta fronteira da nova democracia na qual as armas e as munições são gratuitas e vastas e fáceis de se usar.Mas esta dessensibilização tem seu lado positivo. Eu, por exemplo, já não me importo mais com estas ofensas."